Grande Entrevista: Prof. Henrique Garcia (1ª Parte)

Numa altura em que a pré-época domina as actividades do rugby nacional, com as principais nações do rugby mundial há muito imersas na realidade competitiva da temporada 2010/2011, aproveitamos para publicar esta grande entrevista, uma conversa franca e interessante sobre assuntos da maior importância para o rugby português, nomeadamente os relacionados com o rugby juvenil, com os convívios dos mais novos, com o rugby feminino e com os últimos resultados dos Lobos em XV, entre outros...
Realizada ainda durante a temporada de 2009/2010, esta entrevista (dividida em duas partes, devido à sua dimensão) foi pensada como o ponto de partida para um conjunto mais abrangente de conversas sobre os vários sectores da comunidade, com individualidades que, do rugby regional à formação, nos dessem uma perspectiva nova de várias áreas e questões que, regra geral, não são abordadas pelos media e, nalguns casos, nunca o foram.
Todavia, tendo em conta as alterações feitas ao projecto Rugby Portugal em 09/10 e a manifesta superior dimensão deste, quer em termos de encargos ou em termos de trabalho, face à capacidade e disponibilidade deste vosso autor, considerou-se mais útil reservar esta entrevista para uma altura diferente, a pré-época de 2010/2011, momento em que publicamos uma conversa que, para além de elucidativa, só foi possível graças à enorme disponibilidade do Professor Henrique Garcia, o Director de Desenvolvimento da Federação Portuguesa de Rugby, a quem desde já agradecemos.

Índice da Primeira Parte:
- O Departamento de Desenvolvimento da FPR
- Ex-Director Regional da ARS
- Transição para a FPR
- O passado e presente da ARS
- Selecções dos Sub14 e Sub16
- Rugby Feminino


1 - Rugby Portugal (RP): Nome há muito tempo associado ao rugby juvenil em Portugal, o Professor Henrique Garcia esteve directamente implicado na emergência e recente evolução da Associação de Rugby do Sul como entidade responsável pela organização de eventos dos mais novos e criadora de programas e iniciativas que incentivaram e contribuíram para a expansão da modalidade nos escalões entre os 08 e os 14 anos.

Agora a trabalhar na Federação Portuguesa de Rugby, como responsável máximo para a área do Desenvolvimento, a primeira pergunta que lhe queremos colocar é a seguinte: Quais são afinal as responsabilidades do Director de Desenvolvimento da FPR?

1 - Prof. Henrique Garcia (HG): "O Departamento de Desenvolvimento tem uma área de acção bastante abrangente, mas a nossa principal responsabilidade, o principal aspecto que tenho que coordenar está relacionado com a actividade das três Associações Regionais, nomeadamente o trabalho que é desenvolvido pelos três Directores Técnicos. Não é propriamente um trabalho de chefia porque trabalhamos em equipa e reunimos mensalmente (ou de dois em dois meses) para fazer o balanço de todas as actividades que se realizam a nível regional.
Isto para nós é importante pois assim temos a certeza que o rugby está a ser implementado, via os diferentes projectos, da mesma forma, com apenas uma ressalva, que no nosso entender, é importante destacar: estas regiões têm características diferentes e estão em fases de desenvolvimento ligeiramente diferentes, obrigando por isso a uma adaptação dos projectos a realidades distintas.
Tal como o nome indica, existem algumas áreas do rugby que o nosso departamento pretende desenvolver com o seu trabalho e que ainda estão num estado muito embrionário, áreas que nos parecem cruciais a médio/longo prazo. Estamos a falar do Rugby Feminino, estamos a falar das Academias Sub-16 e estamos a falar dos Sevens (Sub16 e Sub18). Existe ainda o rugby de promoção, algumas variantes do rugby como o Tag Rugby, o Beach Rugby e o Touch Rugby, que pensamos serem estratégias de desenvolvimento do rugby muito boas.”


2 - RP: Que diferenças vê entre o seu actual cargo e o anterior que desempenhava na Associação de Rugby do Sul (Director Técnico para a Região Sul), sobretudo tendo em conta a evolução da modalidade em Portugal desde que chegou à ARS, algo que a Associação Regional acompanhou e no qual teve responsabilidades, crescendo em números e em capacidade?

2 - HG: "As funções que neste momento desempenho têm algumas semelhanças. Neste momento a minha visão do rugby (a nível nacional) é uma visão global e tenho que me adaptar a isso e dialogar muito com os vários directores técnicos para ajudar a implementar as linhas-mestras do desenvolvimento, um trabalho de coordenação muito flexível e um trabalho que é muito específico com cada um dos directores técnicos.

Em relações às diferenças com as minhas funções na ARS, a Associação de Rugby do Sul tinha projectos muito específicos e que hoje estão a ser cumpridos. No rugby juvenil apostámos muito na organização de competições, no rugby escolar e no rugby de formação, primeiro nos cursos de nível 1, a colaborar com a Federação, depois, quando esta decidiu que as Associações teriam autonomia para os organizar, a organiza-los também, algo que na altura considerámos ser uma área fundamental. Inclusive organizámos o Seminário de Rugby Juvenil, algo que teve o seu impacto e foi importante no campo da formação.

Na Associação de Rugby do Sul estes foram alguns dos projectos em que, durante quase cinco anos, trabalhámos e eu acho que com resultados que estão à vista de todos. Agora na Federação Portuguesa de Rugby a ideia não é fazer o mesmo que estava a fazer na Associação de Rugby do Sul. Queremos tentar fazer com que estes projectos, que entretanto foram também implementados nas outras Associações Regionais (a ARN - Associação de Rugby do Norte e o CRRC - Comité Regional de Rugby do Centro), alguns de uma forma mais eficaz, outros de uma uma forma mais lenta, de acordo com os meios disponíveis para cada AR.

Digo isto porque em termos de visão daquilo que é essencial para o progresso do rugby estamos todos de acordo e achamos que estas linhas de desenvolvimento estão correctas, portanto a aposta continuará nestas áreas que vamos falando. Existe aqui algo muito importante a ressalvar, que tem a ver com a Escola de Jovens Árbitros e com a aposta na arbitragem, que é algo que eu acho que tem ajudado a evoluir o nosso rugby, termos cada vez mais árbitros disponíveis, algo em que temos de continuar a apostar, muito.

Cada Escola de Jovens Árbitros tem uma pessoa que se ocupa desta, sendo que nós (na FPR) temos um Director Técnico de Arbitragem que comigo traça um plano para o desenvolvimento destas escolas. Um bom exemplo é o Estágio das Selecções Regionais Sub-14, um momento em que procedemos a uma reflexão e reformulação do futuro das EJA porque penso que depois de conseguirmos organizar as competições, algo que creio ser pacífico (estas estarem bem organizadas e funcionarem relativamente bem), teremos que avançar para a formação de ainda mais árbitros, um elemento fundamental para o desenvolvimento do aspecto técnico e qualitativo do jogo."


3 - RP: Abordando agora um pouco o trabalho que desenvolveu na Associação Regional, pode dar-nos uma ideia de como se encontrava a ARS quando começou a trabalhar nela e explicar-nos como é que se processou a evolução da entidade e do seu trabalho para a forma actual, em que é reconhecida como a responsável pela organização de convívios de rugby e pelo trabalho muito positivo na formação de árbitros (Escola de Jovens Árbitros), técnicos (Cursos e Acções de Formação) e jogadores (Selecção S14)?

3 - HG: "Na altura quando eu cheguei em 2004 encontrei uma Associação com uma actividade muito reduzida. Entrei em Setembro e penso que em Janeiro/Fevereiro entrou em funções uma nova direcção, empenhada em melhorar o desempenho do rugby juvenil, sobretudo até aos sub-15, a principal orientação que recebi. Informaram-me que aquilo que tinha sido feito no fim de 2003 tinha sido organizar dois ou três convívios e que a actual direcção estava muito preocupada, no bom sentido, com a organização das competições, que no passado não tinham corrido muito bem.

Assim, em Setembro (de 2004), com total apoio da direcção da ARS, comecei por organizar tudo o que estava relacionado com o rugby juvenil, na altura os Bambis, os Benjamins e os Infantis, isto é os Sub-09, Sub11 e os Sub-13, e o escalão dos Iniciados, então os Sub-15. O panorama era portanto este, tivemos que partir do zero, com uma direcção muito interessada, muito participativa, duas mais-valias que se juntaram ao cruzamento de vontades e ideias muito interessante que ocorreu na altura, uma conjugação de visões sobre aquilo que deveria ser o desenvolvimento do rugby juvenil.

A partir dessa altura, a organização do rugby juvenil e os convívios, dos Bambis até aos Iniciados (introduzimos os Sevens no escalão Sub-15), mudou e passou a ser bem mais interessante. Durante esse ano começámos a fazer as primeiras acções de divulgação do rugby nas escolas, no fim da época começámos a criar a Escola de Jovens Árbitros e organizámos as primeiras acções de formação para treinadores, que depois culminaram no Seminário de Rugby Juvenil. Tudo isto foi crescendo de dimensão e assim se começou a aumentar o nível de praticantes, de treinadores e de árbitros.

Há um factor que é claro e que contribui para todo este crescimento. A partir do momento em que os clubes sentem que há competições bem organizadas e que existe um compromisso com todos os envolvidos, os clubes e os atletas, que por vezes nem estavam bem informados, começam a perceber que há outra organização, outro empenho por parte de quem organiza estas competições. Por outro lado, existe algo que, entre 2006/2007, concorre muito para que haja este crescimento, que é o desempenho da Selecção Nacional Sénior e o apuramento para o Campeonato do Mundo (França 2007).

Podemos dizer que houve aqui uma conjugação de factores numa altura-chave, pois por um lado havia uma maior procura e interesse em praticar, por outro os interessados encontravam uma estrutura montada e a funcionar bem, tudo motivos que justificam o crescimento acima constatado."


4 - RP: Até que ponto é que, por exemplo, o aumento de praticantes e uma maior organização das Associações Regionais, com mais condições para trabalharem, se reflecte no aparecimento de Selecções Regionais Sub-14 e agora da Selecção Nacional Sub-16?

4 - HG: "O que acontecia dantes era existirem selecções de Iniciados, num trabalho que era algo inconstante. Desde 2005 recomeçámos com o trabalho das selecções, com os estágios de aperfeiçoamento de rugby de XIII para os Sub-14.
A ideia é começarmos com uma linha de apoio técnico a estes atletas desde o escalão de Sub-14 pois pretendemos num futuro próximo, isto é na temporada 2010/2011, que essa linha comece nos sub-14 e vá até aos Sub-16, integrando a orientação normal que já existe com as Selecções de Sub-17, Sub-18, Sub-19 e por aí diante. Mas aquilo que pretendemos agora é sobretudo estabelecer e fortalecer esta ligação entre os Sub-14 e os Sub-16."


5 - RP: Voltando à Federação, nomeadamente a um dos escalões em que o departamento possui responsabilidades, o Feminino. Pode explicar-nos porque é que o rugby feminino está sobre a alçada do Departamento de Desenvolvimento e dar-nos uma ideia daquilo que pode ser / tem sido feito, pela Federação, para aumentar o número de praticantes neste escalão competitivo?

5 - HG: "A razão pelo qual actualmente o rugby feminino está sobre a alçada do Departamento de Desenvolvimento da Federação prende-se com a própria organização das competições do escalão, que é muito inconstante, com o número das jogadoras a variar de um ano para outro, com clubes num ano a terem equipas feminina, noutro a não terem, porque duas atletas vão, por exemplo, fazer Erasmus para o estrangeiro. Isto tudo obriga a que o quadro competitivo tenha que ser reajustado muitas vezes e, nalguns casos, quase mensalmente ou trimestralmente.
Isso implica um acompanhamento constante e essa é a principal razão, mas por outro lado existem medidas que têm que ser tomadas de apoio ao crescimento do rugby feminino, nomeadamente o acompanhamento nas competições, a isenção do pagamento de inscrição das atletas femininas mais novas e, algo que tentaremos a curto prazo, fazer do Projecto Nestum e do Rugby Escolar em geral uma forma de promoção do rugby feminino.
Este ano eu creio que houve uma consolidação do rugby feminino em Portugal, com um crescimento considerável no número de atletas, em que as competições decorreram sem nenhuma falta de comparência (tivemos cerca de 14 equipas a participar nos Campeonatos). O Campeonato Nacional de Sevens foi muito disputado com cinco etapas a receberem um total de dezoito equipas e tivemos um trabalho integrado na preparação da Selecção Nacional de Sevens, liderada pelo Prof. Rui Carvoeira, que connosco programou o calendário de todas as provas: Campeonato Nacional, Taça de Portugal, Circuito de Sevens e os estágios da Selecção Feminina, o que de facto permitiu que as coisas corressem muito bem em 2009/2010 para o rugby feminino.
Em 2010/2011, tudo indica que a gestão do Campeonato Nacional da 1ª e da 2ª Divisão será entregue ao Departamento de Competições. Está a ser estudada a hipótese de lançar um Campeonato Sub-18, para que as atletas mais novas (que até aos Sub-14 competem com os rapazes) possam continuar a competir, algo que para já só pode acontecer na 2ª Divisão.
Teremos que primeiro obter uma reacção dos clubes, antes de ponderarmos a criação de um escalão de Sub-18, e de passarmos, por exemplo, o rugby de 10 (actual Segunda Divisão) para o rugby de 7, e o rugby de 13 (Primeira Divisão) para o rugby de 15. Outro aspecto que se apresenta como uma oportunidade são os jogos olímpicos, aspecto que poderá motivar uma maior aposta e interesse no rugby feminino."


6 - RP: Tal como nos seniores masculinos, no rugby feminino também se nota uma distância muito grande, em termos de qualidade das equipas e de capacidade competitiva, dos principais clubes (no rugby feminino são quatro, da 1ª Divisão), para os restantes. Até que ponto é que vocês podem trabalhar no sentido de encurtar estas distâncias, por exemplo, via estágios com mais atletas (à semelhança do que acontece com as jogadoras convocadas aos estágios da selecção feminina)?

6 - HG: "Nós sabemos que neste momento há clubes que já se aproximam desse patamar e que não estão assim há tanto tempo no rugby feminino, portanto tudo isto passa também pela vontade e organização do clube (ou clubes), têm que ser estes a mostrar interesse e só depois é que, com certeza, os técnicos da Federação estarão disponíveis para apoiar no que é possível. A médio prazo poderemos ter um campeonato competitivo com 6 a 8 equipas, caso exista investimento dos clubes em técnicos e condições de pratica desportiva para as equipas femininas.
A curto/médio prazo está já pensado fazer-se um trabalho mais específico, com um grupo de atletas mais novas. Em relação ao apoio técnico, este tem sido disponibilizado mas muitas vezes os clubes é que não o procurar. Aqui nós temos também que ser realistas, mas muitas vezes não é por falta de apoio, é por falta de organização do clube (ou clubes) que essa aproximação não é feita.”