Match Report - CRAV v Cascais (Seniores, Domingo, 07 de Março, 15:30)

Ao terceiro "Match Report" do Rugby Portugal em 2009/2010 (leiam aqui os outros artigos desta rubrica), rumamos finalmente para além da 'Invicta', numa visita até Arcos de Valdevez que apenas foi possível realizar graças ao apoio dos técnicos do Grupo Sportivo de Cascais, que gentilmente aceitaram transportar este vosso autor, integrando-o em todas as actividades da equipa e fornecendo-lhe a importante alimentação para sobreviver aquilo, que em termos de horas no autocarro é, no mínimo, uma odisseia.
Recordamos que esta rubrica foi criada (no ano passado) para dar destaque a alguns jogos que, por algum motivo especial, quer seja por serem alvo de uma análise mais detalhada (finais de uma competição ou partidas entre rivais, por exemplo) ou por acompanharmos as partidas em questão (quando se tratam, por exemplo, de viagens a campos menos visitados), fazendo uma reportagem das incidências, merecem ser destacados.
Desta feita decidi aproveitar uma oportunidade que provavelmente não se repetirá (em rugby de 'quinze') nesta época, com a sobreposição de jogos internacionais, finais nacionais e demais compromissos a ocuparem muitos fins de semana, libertando assim poucas ocasiões, como foi esta, para visitarmos clubes e pessoas que, desde sempre mereceram mais do que uma fugaz atenção causada pelo inevitável, mas esporádico, sucesso de uma das suas iniciativas ou equipas.
Este é o caso do CRAV, Clube de Rugby de Arcos de Valdevez, uma referência da modalidade no Norte de Portugal e uma entidade que no próximo ano fará trinta anos (a 9 de Julho), mostrando-se em franco crescimento, agora que volta a ter as suas instalações fixas num só espaço e que possuí um conjunto de infraestruturas de enorme qualidade. O Cascais, um histórico do rugby nacional, fez uma longa viagem para defrontar o líder da Primeira Divisão Sénior, um 'quinze' muito forte, reforçado este ano para o ataque à final-four e à promoção.
A equipa da linha, despromovida esta temporada da Divisão de Honra aposta, como é natural, em regressar ao escalão maior do rugby nacional. Liderada por Conrad Stickling e treinada por Phillip Kellerman, ambos antigos elementos da Agronomia, o conjunto sénior do emblema verde-branco já não é aquele que dominou parte do rugby nacional na década de 90, consistindo actualmente de um plantel jovem, equilibrado mas ainda sem a capacidade e a profundidade para enfrentar de igual para igual os clubes de topo do principal campeonato nacional, o Campeonato Nacional Super Bock.
Num aspecto, todavia, devemos desde já elogiar o grupo de Cascais: na organização. Do início ao fim desta viagem, para (agradável) surpresa deste autor, tudo estava planeado ao mínimo detalhe, nomeadamente a alimentação, um factor fundamental para todo e qualquer grupo de trabalho na área do desporto de competição.
Terminamos esta introdução recordando a forma fantástica como fomos recebidos pelos senhores da bonita cidade de Arcos de Valdevez, que o vosso autor gostaria de voltar a visitar brevemente. Pela simpatia das pessoas, pela sinceridade e prazer com que receberam um autor desprovido de vaidade ou ilusões de grandeza, consciente apenas de que tinha aqui uma hipótese de assistir a um bom jogo de rugby e de continuar a retribuir a amizade e apoio que desde cedo tem sentido (no que ao projecto Rugby Portugal diz respeito), da parte de muitos clubes portugueses que, fora das grandes cidades (Lisboa e Porto), vamos tentando visitar.


CRAV
01 - Jorge Peixoto
02 - Luís Fernandes
03 - Vítor Gonçalves
04 - João Azevedo
05 - Ricardo Alves
06 - Nuno Neto
07 - Miguel Correia
08 - João Monteiro
09 - Francisco Pinto
10 - Afonso Vareta
11 - Nicolas Neffa
12 - Paulo Galvão
13 - César Novais
14 - Sérgio Fernandes
15 - Renato Rodrigues
TP - Nuno Vaz
TA - Pedro Aguilar
16 - Henrique Cunha
17 - Paulo Araújo
18 - Mário Ascensão
19 - André Abreu
20 - Pedro Silva
21 - João Pedro Azevedo
22 - Jeremias Soares
23 - Nuno Esteves
TM - Julio Faria


Cascais
01 - Mario Zeballos
02 - Guilherme Jardim
03 - Louis Ackermann
04 - Patrício Miranda
05 - Conrad Stickling
06 - João Simões
07 - Francisco Amaral
08 - Sebastião Vanzeller
09 - Paulo Reis
10 - Duarte Rego
11 - Jonathan Vine
12 - Stephane Dupont
13 - Rui Silva
14 - Manuel Castro
15 - Vasco D'Orey
TP - Phillip Kellerman
TA - Alexandre Lima
16 - Juvelino Tavares
17 - Renato Vieira
18 - Francisco Sousa
19 - Bernardo Dias
20 - José Jerónimo
TM - Tiago Ataíde


1a Parte
Num recinto muito bonito, detentor dos mais altos postes que este autor viu até hoje nesta modalidade, começou melhor o jogo o Cascais, a atacar a área de ensaio do CRAV, numa oportunidade que morreu na linha devido a uma falta atacante. Nos minutos seguintes, o equilíbrio foi a nota dominante, sendo a progressão na partida, por parte das duas equipas, marcada pelo uso do jogo ao pé e pela opção pelo chuto para a 'touche' aquando das faltas cometidas, quer por um lado, quer pelo outro. Os primeiros pontos na partida surgiram, sem surpresa, na sequência de pontapés de penalidade, o primeiro convertido pelo nº15 do CRAV, Renato Rodrigues; o segundo, pelo abertura do Cascais, Duarte Rego (03-03).
Notou-se, nesta altura, apesar da igualdade a três no marcador, um esforço dos visitantes em aproveitar os erros da defesa da casa com os três quartos da Linha a assumirem grande parte das despesas do ataque deste 'quinze', uma consequência natural da ligeira superioridade que os homens de Arcos tinham nos alinhamentos. O conjunto da casa surpreendeu, não usando tanto os avançados (como seria de esperar), e tentando obter pontos por intermédio de penalidades, um iniciativa sem sucesso pois o chutador da equipa não conseguiu converter as oportunidades que teve.
Antes da expulsão temporária de um atleta dos visitados (o ponta, nº11), o Cascais passou para a frente no marcador, cortesia de uma penalidade convertida pelo abertura verde-branco (03-06). Esta foi provavelmente a melhor fase dos visitantes na partida, tendo durado pouco mais de dez minutos, um momento quebrado pelo aumentar da pressão do quinze nortenho, nomeadamente no sector avançado, onde a diferença já se começava a notar entre as duas equipas. Os alinhamentos são um dos poucos aspectos do jogo em que podemos afirmar sem reservas que se manteve algum equilíbrio.
Até ao fim da primeira parte, o chutador do CRAV ainda viria a desperdiçar uma nova oportunidade para igualar o marcador, via penalidade não convertida, uma opção que talvez devesse ter sido preterida, aquando das faltas do Cascais, pelo chuto à 'touche' ou pela mellée. No fim dos primeiros 40 minutos existe alguma vantagem para a equipa da casa, tanto em termos territoriais como no que diz respeito à posse de bola, com o Cascais a aliviar muitas vezes a pressão com o recurso ao jogo ao pé, ganhando assim terreno e mostrando-se extremamente eficaz, justificando deste modo a liderança conservada até à última jogada antes do intervalo, ocasião em que os avançados da casa tiveram papel fundamental, controlando duas formações ordenadas (seguidas) nas quais realizaram saídas com a terceira linha, desgastando a defesa visitante e permitindo ao segunda linha Ricardo Alves marcar o primeiro ensaio (não convertido) da partida (08-06).


2a Parte
O segundo tempo começou onde o primeiro tinha terminado, com o domínio do conjunto da casa. A boa exibição do abertura Afonso Vareta tinha peso, nesta altura, em parte da muita pressão colocada sobre a defesa do Cascais, obrigada a defender como podia mas, regra geral, muito bem. Os homens de Arcos de Valdevez, deixando para os três-quartos a maior fatia das despesas da partida (nesta altura), já dominavam nos avançados um 'pack' visitante muito desgastado (o pilar Louis Ackermann foi substituído ao intervalo devido a lesão), mas que mesmo assim conquistava, nos alinhamentos e em alguns 'rucks', boas bolas, sendo de destacar a corajosa exibição do talonador Guilherme Jardim, muito desgastado pela acção do adversário e um elemento que lutou até final contra o resultado desfavorável.
Apesar do jogo continuar com o mesmo resultado (08-06), a partida era claramente dominada pelo CRAV, com Conrad Stickling a liderar a equipa do Cascais, que evitou dois ensaios antes de ceder perante uma boa jogada dos três-quartos da casa, que carregaram e insistiram até ao ensaio do segundo centro, César Novais, um ensaio que, novamente, não seria convertido pelo defesa da casa (13-06). Temos de destacar a boa réplica do conjunto visitante, que sem plataformas para construir jogadas de ataque, leia-se formações ordenadas conquistadas ou vantagens nos rucks, não conseguia colocar no marcador pontos, apesar de esporadicamente ter oportunidades, especialmente quando conseguia jogar à mão, um capítulo em que o formação Paulo Reis esteve em especial destaque, defendendo bem e procurando dar às suas linhas atrasadas bolas para chegar ao importante ensaio.
Perante a passagem da marca dos 60 minutos de jogo, foi o CRAV, e não o Cascais, que conseguiu ter duas situações de ensaio, uma anulada pelo Senhor Árbitro Tiago Sousa e Silva, que considerou 'avant' a acção do ponta Nicolas Neffa, uma decisão que nos pareceu errada mas que respeitamos, tendo em conta a superior posição e conhecimento do árbitro deste jogo que teve, não obstante uma segunda parte difícil, uma prestação positiva; e a segunda a resultar no terceiro ensaio da formação do Norte, obtido por intermédio do número oito, Miguel Correia, na sequência de uma 'mellée' fortíssima do Arcos, que conseguiu empurrar o 'pack' da Linha para dentro da sua área de ensaio. A conversão, desta feita, foi assegurada pelo médio de formação, que substituiu nestas funções (com sucesso) o defesa Renato Rodrigues, autor de uma partida muito positiva e segura, apesar de ter tido um dia menos feliz na conversão de penalidades e ensaios (20-06).
Até final, o Cascais esboçou nova resposta, dando à defesa do Arcos muito que fazer, com os jogadores da casa a assegurarem com sucesso que os visitantes não marcariam mais pontos, levando a iniciativa para os 22m da equipa adversária, num esforço que tinha apenas um objectivo: a obtenção do quatro ensaio e, como consequência, do ponto bónus ofensivo. O jogo do CRAV é muito forte, recuperando várias bolas e realizando passes seguros e certos, limitando os erros e colocando-se em posição para obter o ensaio final, isto quando a partida se aproximava do seu fim. Após várias situações de ataque, uma delas resolvida pelos jogadores treinados por Phillip Kellerman com um toque de meta, as demais a terminarem em faltas atacantes, o encontro viria a terminar.
Num curto rescaldo, é justo afirmar que o XV liderado por Nuno Vaz foi o melhor em campo. Os visitantes tiveram algumas fases interessantes e boas oportunidades mas não resistiram ao poder ofensivo do conjunto da casa, em especial nos avançados, uma área onde a maior experiência e peso dos nortenhos se notou de forma clara. A primeira linha do CRAV e os três-quartos do Arcos estiveram muito bem, liderados pelo abertura Afonso Vareta, o nosso "Homem do Jogo" e uma boa promessa para o futuro do rugby nacional, formada pelo CDUP e pela Escola de Rugby do Porto. Os jogadores do Cascais deram o seu melhor, sobretudo quando se tratou de defender, e voltam para Lisboa com a cabeça bem levantada, depois de uma boa partida de rugby, onde lhes faltaram as bases para construir um resultado melhor frente ao agora líder isolado do Campeonato.


Reacções

Depois da partida terminar, dos alongamentos e do habitual corredor, tivemos alguns minutos para colocar umas questões ao treinador vencedor, o Sr. Nuno Vaz. Abaixo encontram transcritas as perguntas e as respostas deste técnico, a quem agradecemos pela disponibilidade e simpatia na resposta às questões colocadas pelo vosso autor.


Rugby Portugal - Parabéns pela vitória. Venceram, e venceram de forma clara, mas não alcançaram o ponto bónus. Como é que te sentes depois deste resultado?

1 - Nuno Vaz: "Sinto-me frustrado de não termos conseguido esse ponto bónus, para já. A determinada altura, porque o nosso principal objectivo era vencer o jogo, esse passou a ser o nosso objectivo. Conforme o jogo se realizou, ficou claro que tivemos várias situações, dois ensaios anulados e as mellées no final do jogo, em que poderíamos ter marcado, mas espero que esse ponto não nos venha a fazer falta."


Rugby Portugal - No que diz respeito ao Campeonato, já estavam e agora continuam em primeiro. Sentem-se confortáveis com a possibilidade de receberem a vossa meia final aqui? É esse o vosso principal objectivo?

2 - Nuno Vaz: "O nosso objectivo é vencer o jogo com o Benfica, já para a semana. Nós não trabalhamos em função de querermos ser o primeiro ou o segundo. Se ficarmos em quarto lugar vamos lá disputar a meia final para a vencer. A nossa preocupação não é essa. A nossa preocupação, a nossa filosofia passa somente pelo próximo jogo. O próximo jogo é com o Benfica e é esse jogo que eu quero ganhar. Eu quero, é claro, ser apurado nos quatro primeiros, esse era o nosso objectivo para o ano, para o campeonato nacional. Uma vez que já o atingimos, em termos de campeonato, já está feita a nossa parte. Ficarmos em terceiro ou em quarto e termos que ir disputar fora a meia final não é grande problema, só o gostaríamos de fazer em casa porque nunca tivemos a meia final em casa, era algo de inédito e podíamos fazer uma propaganda boa ao rugby aqui no Norte. Agora, é só mesmo essa parte, o nosso objectivo é já vencer no sábado."


Rugby Portugal - Em relação ao desempenho dos teus jogadores. Houve algo que sentiste que eles estiveram melhor ou um aspecto a rectificaste. O que é que achaste do desempenho da tua equipa?

3 - Nuno Vaz: "Denotei uma ansiedade fora do comum, algo que não é habitual e que, de certa forma os limitou, porque temos mais rugby do que aquele que apresentamos hoje."


Rugby Portugal - No que diz respeito ao vosso jogo de três-quartos, a ideia que passa (para os adeptos) é a de que o CRAV tem muito jogo de avançados mas que o jogo de três-quartos não é uma das suas principais características. No entanto, vocês aqui fizeram um bom jogo ao largo, tiveram muito jogo neste sector tendo este sido parte essencial da vitória. Como é que explicas um pouco esta ideia que passa do jogo do CRAV e o contraste com a realidade que é a de uma equipa com um jogo muito equilibrado, bem distribuído?

4 - Nuno Vaz: "Eu acho que a única explicação que tenho para isso é a de que o 'pack' avançado realmente é muito forte, e contra todas as equipas, quer sejam da Primeira Divisão ou da Divisão de Honra, aquilo que é perfeitamente claro, mesmo tendo em conta que sou suspeito, porque sou o treinador deles, é que esta é a melhor mellée que vi neste momento a jogar. Claro que não jogamos contra o Top-4, só contra o Belenenses, mas por ser uma mellée muito boa é que se cria o mito de que o CRAV é só avançados, porque os nossos três-quartos são estes. Nós jogamos com o Belenenses em função de uma estratégia que montámos para aquele jogo, e recordo-me que na altura se comentou muito que nós "era só avançados e mais nada" mas a realidade, e não temos nada aqui escondido, é que fomos jogar com o Belenenses, da Divisão de Honra, com menos oito titulares que jogaram aqui hoje. Fomos lá, batemos-nos, e claro que em função de perderes oito titulares num jogo com o Belenenses em Lisboa é óbvio que a tua estratégia tem que ser diferente da habitual. Já ganhamos a todos, só falta a Lousã, porque empatamos com eles. A nossa preocupação é sempre a de melhorar."


Rugby Portugal - Até que ponto é que sentes que uma promoção a uma divisão superior e o jogar habitualmente contra clubes como aquele que eliminaram na Taça no ano passado, o Benfica, vos pode ajudar a desenvolver o rugby na região e aumentar o número de pessoas interessadas no rugby do CRAV?

5 - Nuno Vaz: "Para ser o mais sincero possível, não penso nisso. Não perco tempo sequer a pensar nisso. Esta é a minha quarta época como treinador e naquilo que eu acredito é vencer o próximo jogo. Essa sempre foi a minha filosofia e é isso que eu incuto nos meus jogadores. Não perco tempo a pensar no 'se' e no 'que'. No final quando se fizer a soma de tudo é que depois se tem que tomar decisões. O que me adianta estar agora a pensar nisso quando posso depois terminar o campeonato em segundo ou em terceiro lugar? O meu objectivo agora é ganhar ao Benfica. Perder, perdemos dentro de um campo. Ok, isto é rugby, é mesmo assim, agora o meu objectivo é vencer o próximo jogo e o próximo jogo é contra o Benfica. É esse que eu quero vencer."


Fotografias
CRAV v Cascais - Bernardo Rosmaninho