Entrevista: Luís Torres (Rugby Clube Montemor)

No fim de mais uma época de rugby de 'quinze' português, quisemos neste artigo prestar uma justa homenagem a um emblema que desenvolveu um trabalho muito positivo em 2009/2010.
Falamos do Rugby Clube de Montemor, instituição referência do rugby alentejano, que conseguiu, após vários anos de domínio na 2ª Divisão Sénior, promover a sua equipa principal à 1ª Divisão do escalão, alcançando ainda progressos impressionantes nos restantes escalões, nomeadamente nos Sub18, que se sagraram campeões nacionais da 2ª Divisão.
Tivemos a oportunidade de falar com o Sr. Luís Torres, responsável pela comunicação do RC Montemor, e colocar-lhe algumas questões sobre o ano do emblema alentejano, abordando o presente e futuro do RCM e os principais momentos de uma temporada muito importante para os 'mouflons'. Desde já agradecemos ao Luís por responder às nossas perguntas e esperamos que o artigo seja do agrado dos nossos visitantes.


1 - Rugby Portugal: Antes de mais pode contar-nos um pouco sobre a sua ligação à modalidade e ao Rugby Clube de Montemor, sobre como começou e o levou até às responsabilidades que agora ocupa no emblema alentejano?

1 – Luís Torres: "A minha ligação à modalidade era praticamente inexistente, nunca pratiquei rugby e não me lembro de até há pouco tempo ter sequer assistido ao vivo a um jogo, Como habitualmente se diz sou “um paraquedista”, vim por influência da minha filha, Lena Torres, que começou a jogar muito nova e actualmente é treinadora, também aqui no RCM, comecei por lhe dar uma pequena ajuda nas deslocações que os miúdos faziam para os torneios.
Quando o ano passado o Presidente do Clube, o Dr. Paulo Xavier, convidou-me a ir frequentar o curso de director de equipa, promovido pela FPR, pensava eu que iria colaborar nos escalões mais jovens. Engano meu, pois algum tempo mais tarde, para grande surpresa minha, fui convidado para o cargo de director desportivo, com especial incidência nos seniores, cargo que actualmente desempenho. Pensei maduramente, consciente das minhas limitações, mas atendendo ao respeito e admiração que nutro pelo trabalho que um punhado de homens tem feito pelo clube e implicitamente pela minha terra, decidi aceitar, para também dar uma ajuda.
Felizmente, as coisas correram bem e estou muito orgulhoso de ter servido o RCM e agradecido a quem apostou num “estranho”, não apenas a direcção, mas também os jogadores, treinadores, fisioterapeutas, administrativos que colaboram connosco, todos foram incansáveis para me integrar."


2 - Rugby Portugal: O Campeonato Nacional da 2ª Divisão Sénior e Sub-18, a Taça Shield de Portugal nos seniores, a estreia oficial da Equipa Feminina e um crescimento sem paralelo nos escalões jovens foram apenas alguns dos marcos de um ano que aparenta ser o melhor da história do Rugby Clube de Montemor? Que mais nos pode dizer sobre a excelente temporada que este clube realizou em 2009/2010?
2 – Luís Torres: "Tudo o que se passou este ano, iria eventualmente acontecer, pois como já lhe disse, apesar de não ser sido praticante, acompanhava um pouco mais de longe, claro, a actividade do RCM, e sentia o pulsar desde clube. Lembro-me bem de o clube ter que descer de divisão por não ter campo relvado, de os jogos a disputar em Casa, durante anos, serem feitos a 60km de Montemor, e no entanto o clube resistiu, com os miúdos a treinarem nos jardins e nas ruas, tudo só foi possível porque se aliou a uma grande vontade um grande crer, sendo que com a conclusão das obras do Parque Desportivo acordamos finalmente do "pesadelo", lançámos mãos à obra e os frutos do trabalho começam agora a aparecer, esperando sinceramente que o crescimento se mantenha no futuro."


3 - Rugby Portugal: Sendo certo que grande parte do mérito associado a estas conquistas se deve ao trabalho dos atletas, técnicos e dirigentes clube, é importante averiguar que reacção teve a vossa comunidade, tanto em termos empresariais como no que aos adeptos da modalidade diz respeito, a um ano tão positivo como foi o vosso? Contaram com o apoio de alguma entidade ou entidades para além do incansável encorajamento dos vossos adeptos?
3 – Luís Torres: "A reacção de todos os montemorenses e amigos do RCM é naturalmente de alegria, por verem coroados de êxito todo um trabalho, e muito sacrifício encetado há muitos anos. Importa não esquecer que estamos em plena crise económica e que estamos numa das zonas mais pobres do país, sendo evidente que não temos apoios de grandes empresas a nível nacional como outros clubes têm, mas sim o apoio que é possível a cada um dar do simples cidadão que no nosso bar da Feira da Luz vai beber uma bebida para ajudar o RCM, que compra as nossas camisolas, que nos dá camisolas de aquecimento, que por vezes nos vem dar um aperto de mão, um sorriso, tudo isso algo importantíssimo para nós. É justo aqui realçar o apoio que a Câmara Municipal nos tem dado, pois sem ele muito dificilmente o RCM teria o que tem hoje."


4 - Rugby Portugal: Abordando agora uma componente onde, não obstante os títulos conquistados, assistimos em 2009/2010 a um enorme progresso, sobretudo nos números, tendo o RCM tornado-se no clube com mais atletas a sul do rio Tejo: a formação. Pode explicar-nos um pouco como é que nas últimas épocas, incluindo nesta, conseguiram elevar tanto o número dos vossos praticantes?

4 – Luís Torres: "Sim, é verdade que somos o clube com mais atletas a Sul do Tejo, mas queremos continuar a crescer. Montemor apesar de ser uma pequena cidade com cerca de 10 Mil habitantes tem no concelho cerca de 16 Mil e em área creio que é o sétimo maior concelho do país, o que como é óbvio torna muito difícil crescer para fora da sede do concelho devido a distância.
Existem aldeias que distam 25/30 km da sede do concelho, mas no entanto a nossa aposta está em ir nesse sentido, quase a todas as escolas, com aulas de rugby ministradas por colaboradores nossos. Também existem algumas pessoas que, de localidades vizinhas (e algumas bem longe daqui), nos procuram para praticarem o desporto que gostam.
Creio que nesta altura, e aqui não tenho a certeza, também somos o clube com mais praticantes a nível nacional, se tivermos em conta a razão entre o numero de habitantes e o número de praticantes na localidade onde estamos sediados, o crescimento do numero de atletas do RCM, como já disse antes, procedeu-se de uma forma natural, isto apesar de haver outros clubes na cidade, alguns com pergaminhos bem firmados no desporto nacional, sendo o RCM aquele que mais cresceu, tanto é quantidade como em qualidade, passando a ser normal os atletas do RCM fazerem parte das listas das selecções nacionais. Em Montemor já é normal vermos miúdos com bolas de rugby debaixo do braço."


5 - Rugby Portugal: Falando agora dos vossos seniores, que finalmente conseguiram atingir a promoção para um escalão onde já mereciam estar a competir há muitos anos. Como foi conseguir finalmente este tão desejado título? E, mais importante, como é que conseguiram manter o grupo unido e coeso durante estas temporadas, sobretudo tendo em conta o facto de existir, em muitos clubes da região, uma tendência para os praticantes também fazerem parte de outros grupos, como por exemplo os forcados, diminuindo assim, sazonalmente, o número de atletas disponíveis para o rugby?

5 – Luís Torres: "Como tudo na vida, nada se consegue sem trabalho, e foi essa a grande chave do sucesso, tendo como timoneiro um treinador de inegáveis capacidades, José Mendes da Silva, ajudado pelo Jaime.
Os nossos jogadores, que pagam para jogar, alguns deles fazem centenas de quilómetros por semana para virem aos treinos, depois do seu horário laboral ou das aulas, muitas vezes debaixo de chuva de temperaturas com alguns graus negativos, foram incansáveis, os fisioterapeutas, médicos, e claro a direcção que tudo fez para manter esta família bem unida e coesa. No nosso seio também existem elementos que são forcados, ou não fosse Montemor a “Madre dos Forcados”, mas quanto a essa situação resta-nos aceita-la, tratando-se de decisões pessoais que respeitamos e que cada atleta toma por si decidindo a cada momento o que deve fazer.
Quero também dizer que, apesar dos números me desmentirem, o campeonato não foi fácil, nós é que por força do trabalho, do empenho e do querer, o tornamos mais acessível, pois passámos por campos onde se equipámos nas bancadas, outros que de relvados só o nome tinham, outros ainda onde tínhamos que equipar de porta aberta, enfim coisas que não lembra a ninguém, calcorreamos milhares de quilómetros horas e horas de viagem, mas algo que no fim valeu a pena."


6 - Rugby Portugal: Para terminar pedimos-lhe que nos fale um pouco do futuro do Montemor em todos os seus aspectos, das suas infraestruturas às várias equipas dos mouflons. Quais os vossos planos, se é possível darem-nos uma ideia, para o futuro do RCM, a começar já em 2010/2011?

6 – Luís Torres: "Penso que a curto prazo o RCM tem todas as condições para crescer, tanto na formação de jogadores como de homens, cientes de que para alimentar o escalão principal vamos ter que trabalhar muito em quantidade e qualidade, pois infelizmente para o RCM muitos jovens têm que deixar Montemor ou para estudar ou para trabalhar, e para nós todo esse investimento se tornou improdutivo a não ser quando os vemos a actuar noutros clubes ou nas selecções. Ter o orgulho e a vaidade de dizer que foi aqui que esses atletas começaram a jogar, seria bom que alguém com responsabilidade no rugby português tivesse isso em consideração, porque quem forma jogadores também merece ser recompensado.
A nível dos seniores penso que para as próximas épocas o objectivo é a manutenção. Finalmente gostaria de agradecer à imprensa, os jornais locais, regionais e nacionais, aos bloggers e às rádios. Convém aqui também referir que alguns dos nossos jogos tiveram relatos escritos em tempo real no site da Folha de Montemor, publicação que enviou repórteres, algumas vezes a centenas de quilómetros de Montemor, e realizou intervenções em directo dos campos onde estivemos a jogar, tanto equipa Sénior como os Sub-18 e a equipa Feminina. O mesmo aconteceu por parte da Rádio Nova Antena, fazendo assim história na rádio portuguesa.
Assim, sentindo todo o apoio e carinho de uma população, torna-se bem mais fácil realizarmos o nosso trabalho. Para terminar, o meu muito obrigado ao Rugby Portugal e felicidades."